sábado, março 15, 2008

Loja de Sonhos

Aguardo.
Oiço o bruaá da rua, retorcido pelos frios corredores até passar a porta como um marejar indefinido, donde saltam palavras vagamente reconhecíveis, desconexas.
Aguardo, e observo. Do meu esconderijo, entre dezenas de artigos vistosos que pendem como estalactites, vejo quem passa em frente à montra.
Namorados de mão dada, crianças em longas correrias, mães e pais de família em passeios rotinados de fim de tarde, circulam com ar de quem o faz como alternativa obrigatória a passar uma tarde no sofá em frente à televisão, com a indiferença da paixão há muito adiada sentada entre eles.
Jovens e menos jovens, sós, aos pares ou em grupos, homens e mulheres, crianças. Gente alegre, gente triste, gente simplesmente.
Anjos, Demónios, sentimentos, tudo desfila em frente à minha loja.
Casais que passam, eles determinados e de passo firme, elas ficando para trás e espiando pelo canto do olho, para logo de seguida em passos rápidos de dança, ladear o marido.
Alguns, param. Miram a montra vistosa, arrumada. Os seus rostos reflectem curiosidade. Trocam olhares cúmplices. Intrigados sobre a utilidade dos artigos expostos, deixam sorrisos de Mona Lisa bailar-lhes nas faces. Eventualmente, entram.
Invadidos pelas cores e aromas exóticos, parecem crianças deslumbradas.
Outros, decididos, franqueiam a porta com a certeza de quem tem a receita de todos os males para aviar.
Trazem histórias de vida sofridas, que trocam por atenção e esperança. Partilham experiências e buscam conselho. Desvendam os segredos mais recônditos. Saem com a leveza de quem se acabou de confessar.
Fico com uma certeza.
Nunca as grandes superfícies irão substituir a lojinha tradicional.